A heterossexualidade tem futuro?

A divisão entre hétero e homo pode parecer um fato da natureza, eterno e indestrutível, mas não é. Ela não passa de uma gramática recente que os humanos inventaram para falar sobre o que o sexo significa para nós.

Alfred Kinsey (ao centro) conseguiu enfraquecer o tabu a respeito do sexo, mas seus relatórios reafirmavam as categorias existentes de comportamento homossexual e heterossexual.
A heterossexualidade, argumenta Katz, “é inventada dentro de um discurso como algo que acontece fora do discurso. É manufaturada com um discurso de que seria algo universal… como algo que acontece fora do tempo”. Ou seja, é uma construção, mas finge que não é. Como qualquer filósofo francês ou criança que brinca de Lego poderia dizer, qualquer coisa que é construída pode ser também desconstruída. Se a heterossexualidade não existia no passado, ela não precisa existir no futuro.

Recentemente fui pego de surpresa por Jane Ward, autora de Not Gay, que, durante uma entrevista para uma matéria que escrevi sobre orientação sexual, me pediu para imaginar o futuro da sexualidade. “O que significaria ponderar sobre a capacidade das pessoas de cultivarem seus próprios desejos sexuais, da mesma maneira que nós cultivamos a apreciação por um tipo de comida?” Muitos temem a possibilidade de se abrir a fluidez sexual, mas é importante perceber que vários dos argumentos utilizados para se afirmar que as pessoas nascem com uma certa sexualidade não são aceitos pelos estudos científicos mais recentes. Os pesquisadores não têm certeza sobre o que “causa” a homossexualidade, e certamente rejeitam quaisquer teorias que levantem uma origem simples, como um “gene gay”. Na minha opinião, os desejos sexuais, assim como todos nossos desejos, transformam-se e reorientam-se ao longo de nossas vidas, e conforme o fazem, muitas vezes nos sugerem novas identidades. Se isso é verdade, então a sugestão de Wardde que nós somos capazes de cultivar preferências sexuais parece adequada.

Mais além do questionamento de Ward está um desafio sutil: se nos sentimos desconfortáveis quando consideramos se temos algum poder sobre nossas sexualidades, e o tamanho desse poder… Por que isso acontece? Da mesma forma, por que é que nos sentimos desconfortáveis ao desafiarmos a crença de que a homossexualidade, e por extensão a heterossexualidade, são verdades eternas da natureza?


Traduzido do artigo de Brandon Ambrosino para o site BBC Future e adaptado do site LadoBi, por Marcio Caparica

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